O Racional e o Emocional na Gestão de Cargos e Salários

Vanderlei Silva

Publicado em julho de 2016


O racional e o emocional parecem estar frequentemente lado a lado nas decisões relacionadas com a gestão de cargos e salários.

O próprio entendimento do que seja um Plano de Cargos e Salários serve como um exemplo das percepções e atitudes das pessoas em relação ao tema.

Pelo lado racional, as pessoas sabem que o PCS é um sistema de gestão como outro qualquer. Sabem que o sistema define as regras e procedimentos de como essa atividade deve ser desenvolvida. Pelo lado emocional, no entanto, elas mantêm uma crença (melhor seria dizer um desejo ardente) de que o PCS deveria beneficia-las com promoções e aumentos de salário automáticos. Quando esses benefícios não são concedidos, elas ficam extremamente chateadas.

A crença comum de que após ser admitida na empesa, uma pessoa terá uma carreira automática, sem necessidade de grandes esforços para melhorar seu desempenho ou de se preparar para estar em condições de ser promovida, é um fator que dificulta o correto entendimento e aplicação do plano de cargos e salários.

Impulsionadas pelo desejo de aumento de salário, algumas pessoas, inclusive gestores, acreditam que se a empresa implantar um PCS ou uma tabela salarial, então todos os salários dos funcionários deveriam ser “enquadrados” num dos níveis ou valores apresentados pela tabela salarial.

O lado racional mostra que uma empresa que fizesse tal “enquadramento” automático acabaria dando aumentos de salários para pessoas que não merecem e deixando de dar aumentos para as que merecem.

Suponhamos que a empresa tivesse uma faixa salarial com níveis de 5% de um para o outro. Num “enquadramento automático”, uma pessoa com desempenho aquém do esperado, mas que estive ganhando R$ 0,10 (dez centavos) acima de um determinado nível da faixa salarial, teria de receber um aumento de praticamente 5% para se enquadrar no próximo nível, já que a legislação trabalhista não permite redução de salários. Já outra pessoa com excelente desempenho, mas que estivesse com seu salário R$ 0,05 (cinco centavos) abaixo do próximo nível salarial, receberia apenas R$ 0,05 (cinco centavos) de aumento como enquadramento.

Como cada nível da faixa salarial, nesse exemplo, é de 5%, então a empresa teria um custo no aumento da folha de pagamento de aproximadamente 2,5%, dependendo da dispersão dos salários em relação aos níveis da faixa, sem nenhum benefício do ponto de vista da justiça salarial interna ou do incentivo ao bom desempenho.

A realidade do lado prático da gestão de cargos e salários

O objetivo principal de uma tabela salarial é servir de referência para que a empresa:

a) saiba qual o valor adequado do salário para cada cargo da sua estrutura.

b) possa reconhecer a competência e desempenho da pessoa que está em cada cargo.

Com referências salariais bem definidas, era de se esperar que as pessoas responsáveis por decisões sobre cargos e salários tivessem facilidade na hora de decidir e tomassem sempre decisões bem fundamentadas (racionais) sobre salários.

No entanto, no dia a dia, muitas decisões são tomadas com base numa boa dose de sentimentos (lado emocional), que geralmente se sobrepõem às análises bem fundamentadas. Por isso, pedir para alguém ser totalmente racional na hora de tomar uma decisão salarial pode ser um pedido difícil de ser atendido.

Cada cargo da empresa é ocupado por uma pessoa que tem relacionamentos com outras pessoas dentro da empresa que ocupam cargos do mesmo nível hierárquico ou de outros níveis hierárquicos, acima e abaixo do nível do cargo em que está a pessoa.

Nos relacionamentos com os chefes imediatos e seus superiores, as pessoas se aproveitam dessa proximidade para obter vantagens que dependem de aprovação de seus superiores.

A questão da segurança no emprego é um fator determinante na postura das pessoas no trabalho. As pessoas sempre querem se sentir seguras em relação a seu futuro, tanto em relação ao futuro imediato (garantir o atual emprego), quanto ao futuro mais distante (garantir a continuidade da carreira).

A situação particular de cada pessoa na empresa pode explicar as motivações de suas atitudes e ações.

O tempo de casa da pessoa na empresa é um fator que influencia suas percepções. Pessoas há muito tempo na empresa tiveram a oportunidade estabelecer um relacionamento mais forte com seus superiores hierárquicos e têm mais probabilidade de serem beneficiadas.

A “personalidade” de cada empresa

As condições ambientais do local de trabalho definem o modo como as pessoas se “enturmam” ou formam seus relacionamentos.

A personalidade dos diretores e gerentes é o principal fator que define a cultura gerencial da empresa e influencia na formação do clima organizacional e das condições ambientais em que os relacionamentos serão estabelecidos.

O histórico profissional e a carreira de cada pessoa também contribui para a formação dos relacionamentos internos. Interesses comuns e escolaridade similar são outros fatores que facilitam a aproximação das pessoas.

A preocupação com eventuais impactos do lado emocional das decisões sobre cargos e salários pode ser subestimada pela crença dos gestores de que os salários são “confidenciais”. Na informalidade as pessoas conversam e passam informações umas às outras, sem nenhuma preocupação com aspectos formais das normas da empresa.

Há uma variedade imensa de motivos que guiam as atitudes e ações das pessoas. Cada empresa é um mundo único no que se refere às circunstâncias do ambiente de trabalho e do modo de agir dos dirigentes da empresa. Cada empresa tem uma personalidade única.

A solução

Manter um balanceamento entre esses dois tipos de atitudes, racional e emocional, na hora de uma decisão sobre cargos ou salários é o grande desafio não só para a área de RH, mas, principalmente, para todo o corpo gerencial da empresa.

Ao contrário do que alguns pretensos gurus alardeiam nos meios de comunicação, a prática do dia a dia das organizações tem mostrado que não é possível mudar o comportamento essencial das pessoas num estalar dos dedos. Não adianta dizer como um líder deve agir se a pessoa não tem propensão para liderança, seja lá o que for que queiram dizer com isso.

No entanto, sem mudar a sua personalidade ou a essência do seu comportamento, os gestores poderão fazer coisas diferentes mantendo seu modo natural de agir.

A forma e o conteúdo das comunicações entre gestores e suas equipes podem fazer muita diferença na qualidade das relações entre esses grupos.

Especificamente no caso de cargos e salários, algumas considerações podem ser feitas a título de exemplo de mudanças naquilo que é feito pelos gestores e pela direção da empresa.

Os aspectos fundamentais que servem para aferir a qualidade das comunicações é a clareza em primeiro lugar e a transparência em segundo lugar, mantendo-se a transparência razoavelmente bem atrás da clareza em termos de importância.

A transparência está indissoluvelmente ligada à “personalidade” da gestão da empresa, aos costumes da empresa, que dificilmente podem ser mudados da noite para o dia. Portanto, o grau de transparência nas comunicações da empresa tende a mudar pouco no curto prazo.

Já a clareza nas comunicações é possível em qualquer momento e circunstância e poderá tem um impacto até maior do que um eventual bom grau de transparência.

A transparência pode ser percebida como um fator “geral”, um traço da cultura da empresa, sem um patrocinador específico. Já a clareza é atribuída à pessoa que faz a comunicação, seja um diretor, um gerente ou o próprio supervisor imediato da equipe. A transparência é algo institucional, a clareza tem a assinatura de alguém.

Vejamos um exemplo de clareza no processo de concessão de aumentos de mérito.

Suponhamos que a empresa defina 1% da folha de pagamento como verba para os aumentos de mérito num determinado ano. Digamos que uma das regras para concessão do aumento de mérito seja que ninguém poderá ter um aumento de mérito inferior a 5%.

Se a empresa tem um sistema formal de avaliação de desempenho, que gere os resultados da avaliação numa escala numérica, como “notas”, por exemplo, então a seleção das pessoas que receberão o mérito é simples.

Num vestibular para um curso com 50 vagas, só passam as 50 pessoas com as melhores notas. Similarmente, no caso do aumento de mérito, só receberão o aumento de mérito as pessoas com as melhores avaliações, até que o total dos aumentos de mérito complete o valor definido no orçamento para tal finalidade.

Se a empresa não tem um sistema formal de avaliação de desempenho, ainda assim poderá definir uma regra para a concessão dos aumentos. Por exemplo, a verba para os aumentos de mérito poderá ser estabelecida para cada Área ou Departamento da Empresa. O valor da verba de cada departamento poderia ser definido pela diretoria, seguindo alguns critérios que os diretores acharem mais práticos e eficientes.

Definida a verba de cada departamento, o gerente responsável definirá em conjunto com os diretores e supervisores quem serão as pessoas melhor avaliadas na percepção deles. Cada gestor sabe e pode fazer uma avaliação informal muito consistente e estabelecer uma ordem de avaliação, fazendo uma graduação dos funcionários mais bem avaliados para os menos bem avaliados.

Obviamente, esses procedimentos na prática poderão ter regras mais detalhadas conforme os costumes e formas de procedimentos internos de cada empresa. Mas, com um pouco de esforço e criatividade, é possível estabelecer um procedimento que poderá ser comunicado de forma clara para os funcionários.

O funcionário Roberto precisa saber por que o funcionário Carlos teve um aumento de mérito e ele não. Ele pode até não concordar, mas saberá que a decisão foi baseada num critério bem definido e conhecido por todos.

Uma análise e discussão sobre como as pessoas percebem as decisões da empresa pode ajudar. A introdução de pequenas mudanças na forma de tomar e comunicar as decisões sobre cargos e salários pode contribuir para uma grande diferença no impacto causado pelas decisões nas percepções dos funcionários.

Vanderlei Silva é consultor, especializado em ajudar empresas a remunerar, incentivar e melhorar o desempenho de seus profissionais. Para contatá-lo, envie e-mail para vsilva@promerito.com.br ou ligue para 31-2516-8425, em Belo Horizonte, MG.


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