Remuneração ou Renumeração

Vanderlei Silva

Publicado em 20/06/2002


Se você for ao supermercado, pedir um quilo de carne e depois, em sua casa, descobrir que recebeu só 900 gramas, de quem é a culpa? É do açougueiro que errou ao pesar, ou da balança do supermercado (assumindo que esta esteja aferida)? Se a balança estiver funcionando bem, o erro deveria ser atribuído à pessoa que pesou a mercadoria.

Essa analogia serve para esclarecer uma questão controversa na área da administração de cargos e salários.

Por não ter habilidade de gestão nessa área extremamente sensível e sujeita a todo tipo de manipulação, muitas empresas acabam dando razão aos críticos dos sistemas de administração salarial.

Um sistema de administração salarial é como a balança da analogia acima.

Por exemplo, um sistema de mensuração de cargos pode dizer que determinado cargo, num determinado mercado, para determinada empresa, vale R$1.000,00. Se essa empresa resolve pagar R$1.500,00 ou R$500,00 para o seu ocupante, é uma decisão de gestão. Se a empresa resolve entregar esse cargo a uma pessoa que não tenha aptidão, estilo ou perfil para ocupar o cargo, é outra decisão de gestão.

O sistema de administração salarial, como a balança do supermercado, funciona como um guia. Dependendo da habilidade dos usuários desse guia, as decisões tomadas pela empresa nessa área podem resultar numa contribuição expressiva à última linha do balanço. Se esses mesmos usuários utilizarem o sistema de administração salarial de forma política, para manipular pessoas e salários, é claro que a influencia no resultado do fim do ano fiscal será exatamente o oposto.

Infelizmente, esse prejuízo causado pela má utilização do sistema de administração salarial é difícil de ser segregado num demonstrativo financeiro. A empresa pode facilmente encontrar muitas explicações para o seu resultado. Poucas empresas terão coragem para reconhecer e atacar o problema que se encontra à sua mão e dentro do seu controle.

Questões de pessoal são complexas e envolvem decisões em outras áreas, além da administração salarial. A questão da filosofia de gestão pode ser citada como um exemplo. Apenas uma minoria das empresas pode se gabar de que sua filosofia de gestão privilegia a “meritocracia”. Uma meritocracia pura é utopia, mas há empresas em que sua filosofia de recompensas (incluindo o sistema de remuneração) favorece um bom desempenho profissional.

A falta de conhecimentos é a causa principal da pouca sensibilidade e habilidade nas decisões de administração de cargos e salários. As pessoas que tomam essas decisões geralmente pertencem ao alto escalão hierárquico, são Diretores, Presidentes, que tomam decisões baseadas em sua percepção pessoal.

O perigo, e a causa dos prejuízos, ocorre quando uma decisão é claramente percebida pelo resto da organização como legitimamente questionável, isto é, quando o salário está claramente errado (para cima ou para baixo), ou quando a pessoa não é a mais indicada para o cargo.

Como uma organização é um ambiente humano, extremamente sensível a padrões de comportamento estabelecidos pela alta cúpula, uma decisão errada pode abrir precedente para que outros diretores e gerentes tomem decisões baseadas no mesmo “princípio oculto” da decisão errada.

Uma manipulação incentiva outra manipulação. Isso gera a famigerada situação em que muitas pessoas acabam ficando “com o rabo preso”. Como muitos têm culpa no cartório, começa então a existir o famoso “um livra a cara do outro” e institui-se um hábito que, mais cedo ou mais tarde, fará parte da cultura da empresa. Depois de certo tempo, com a multiplicação de manipulações, adivinhe quem sai perdendo? Se você pensou na empresa como um todo, seus proprietários e funcionários, acertou.

Uma saída para a diretoria da empresa é, além de ter um sistema confiável de administração salarial, instituir uma política e filosofia de gestão que privilegie a meritocracia. Como o exemplo vem de cima, é necessário não só divulgar, mas viver pelos princípios que são divulgados.

É impressionante como muitas vezes um diretor aceita que a empresa tenha centenas de milhares e até milhões de reais de prejuízo todo ano, apenas para garantir a posição de um “protegido” num cargo para o qual ele não está preparado.

Nas empresas que já utilizam sistemas de administração salarial, a mudança de hábitos e padrões decisórios nessa área pode ser difícil. Um bom diagnóstico da situação atual, para identificar por onde começar, pode ser interessante. O resultado dessa análise poderá abrir caminho para um plano de ação fulminante visando a mudar hábitos decisórios indesejados.

Em empresas com hábitos arraigados, as mudanças necessárias estão relacionadas a comportamentos e atitudes, e não a sistemas, processos ou estruturas.

Por exemplo, quando se lê nos jornais que uma grande empresa está fazendo uma reestruturação organizacional, elaborando um novo organograma, pode-se esperar que nada vai mudar nessa empresa. No nosso caso, mudar o sistema de administração salarial só trará benefícios se mudar a filosofia de administração salarial da empresa. Caso contrário, será apenas uma renumeração de cargos e salários, como dizem os críticos.

Para as empresas que precisam se organizar nessa área, é importante começar com o pé direito. Introduzir um sistema bem calibrado, definindo políticas e procedimentos que privilegiem o reconhecimento do bom desempenho e incentivem o desenvolvimento profissional de seus funcionários, pode ser um bom começo.

A administração salarial oferece um potencial enorme de benefícios para a empresa. A remuneração pode funcionar como uma alavanca estratégica para melhorar os seus resultados.

Se a empresa tiver uma estratégia de negócios bem definida, terá um grande número de opções para alinhar sua remuneração com essa estratégia de negócios. Se os objetivos da empresa não estiverem claros para os funcionários, então a empresa deveria primeiro tentar elaborar um plano geral de ação e depois alinhar a ele sua estratégia de remuneração.


Vanderlei Silva é consultor, especializado em ajudar empresas a remunerar, incentivar e melhorar o desempenho de seus profissionais. Para contatá-lo, envie e-mail para vsilva@promerito.com.br ou ligue para 31-2516-8425, em Belo Horizonte, MG.


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